Quem passa pelo setor dois da Universidade Federal do Rio Grande do Norte por volta
das 14h, certamente encontrará um senhor de pele morena, de barba, óculos de
grau e um pouco careca, vendendo salgados, chocolate quente, café, bolo e
brigadeiro. O senhor retira da caixa de isopor dois tipos de cada salgado e
coloca na estufa, põe sobre a mesa as travessas com bolos, e vários potinhos
com molhos de variados sabores, montando assim sua venda na parada de ônibus.
“Tenho que mostrar o que tem para vender, se não o pessoal pensa que não tem”
comenta o senhor que traz no olhar um misto de ansiedade e alegria.
Simpático ao atender cada cliente, ele fala manso e sorridente. Esequiel Pereira
Tibúrcio, o Sr. Tiba, como é carinhosamente chamado, carrega uma bagagem que
nem o mais perspicaz dos observadores seria capaz de imaginar. Quem vê o senhor
de 59 anos que hoje vende salgados na UFRN, não imagina que ele tem uma
historia de 35 anos com o mundo do teatro.
Em 1974 foi descoberto um talento para a produção de palco que perduraria por mais
de 30 anos. Aos poucos ele foi se
envolvendo com aquele mundo e desabrochou vários talentos para produção de
palco. Tornou-se técnico em espetáculos e diversão, e passou a atuar como
chefia de produção, produzir e montar cenários para diversas peças teatrais e
espetáculos. Tibúrcio produziu peças e cenários
famosos como “O Fantasma da Opera”, “ Qualquer Gato vira-lata” na primeira
formação da peça com Rita Guedes, Tuca Andrada e Filipe Folgosi, antes da
criação do livro e de virar o filme. Ao perguntarmos sobre sua carreira nos
palcos, nos revelou o carisma de personagens famosos como Suzana Vieira em que,
com os olhos semicerrados e testa franzida ao tentar lembrar de outros
detalhes, nos contou que ao pedir uma foto com a mesma, recusou o registro
fotográfico como se fosse a um fã, mas o convidou a seu camarim e tratou-o como
amigo; Arlete Salles, com quem viajou por um ano em turnê pelo Brasil com um de
seus espetáculos; Maria Della Costa, em que inspirou-se em sua garra e
motivação aos serviços de palco, mesmo limitada pelo tempo, com seus 82 anos de
idade.
Certamente foram tempos de ouro. Contou-nos sobre um Brasil, agora, desconhecido. Lembrou
de fatos como a passagem de sua Kombi cheia de artigos cênicos que passara
sobre a ponte localizada em Florianópolis no estado de Santa Catarina, hoje um
patrimônio histórico tombado com noventa anos de criação, a Ponte Hercílio
Luz. Em 1982 a ponte foi fechada para o tráfego,
reaberta em 1988 para tráfegos leves como pedestres, bicicletas, mas em 1991
foi proibido todo e qualquer fluxo. Tiba conta com emoção o fato, a quem
assiste suas descrições estruturais da ponte e a importância de conhecer o
Brasil dourado, passa-nos a sensação de que vivemos juntamente com ele.
Entre o atendimento de um e outro cliente em sua mesa de lanches, Tiba sorri ao
relembrar sua aparição como ator em peças nos quais também serviu de
contrarregra e produtor de palco, diretor de cena, ou cenógrafo. Foi garçom na
peça produzida por Juca de Oliveira e com direção de Bibi Ferreira, Qualquer
Gato Vira Lata, que foi sucesso nacional e dada sua proporção acabou se
tornando livro em 1998 e filmes em 2011 e 2015, marcou a história do homem que
agora com uma luva plástica na mão direita, nos mostrava o valor do serviço
longe dos palcos. “Eu não colava a bandeja na mão, então teve vezes em que a
bandeja caiu de verdade e foi sujeira pra todo lado”, cita ao relembrar a
importância de seu papel.
Seu Tibúrcio participou também de peças como "A cabra ou quem é Sylvia?"
de Jô soares, “3 intenções”, "Trair e coçar é só começar" e conta com
muito entusiasmo o nome de cada ator famoso que estrelou em cada uma delas. Outro
trabalho muito envolvente foi a peça “A partilha”, escrita por Miguel Falabella
em 1996 em que também trabalhou com a atriz global Arlete Salles, que se tornou
amiga pessoal de Tiba. Enquanto falava desse trabalho, relembrou a vez em que
uma universitária de teatro do DEART – UFRN, ao anunciar uma peça para o Sr.
Tiba, não se interessou por sua história quando ele soltou a informação de que
já havia trabalhado com teatro. Nesse momento, como estudantes de jornalismo,
nos sentimos sortudas por estarmos sentadas naquele banco de pedra da parada do
setor dois, ouvindo as mais alucinantes histórias e aventuras. Nossos dedos se
moviam inquietos por escrever tudo o que tínhamos ouvido. Certamente aquelas
estudantes perderam um momento muito construtivo para a carreira delas, e nós
não pretendíamos fazer o mesmo.
Esequiel Tibúrcio, o Tiba, construiu sua história no teatro por trinta e cinco anos. Casado há trinta e quatro anos com “Tuta”,
cujo apelido deu origem ao negócio, Tuta Lanches, tiveram quatro filhos, um
casal de gêmeos (1983) em que um é produtor de eventos e a outra é uma química,
o do meio (1985) que decidiu seguir a carreira como agenciador cenográfico e o
caçula (1987) que se formou em jornalismo e decidiu seguir profissionalmente na
área burocrática e administrativa na fábrica Vitarella. Ele conta orgulhoso que
dois de seus filhos homens, seguiram sua carreira na administração dos palcos. Quando
seus filhos resolveram seguir a carreira do pai, como cenógrafos ou produtores,
abriram uma empresa e colocaram seus nomes, mas não obtiveram muito sucesso,
resolveram então mudar o nome da empresa e sua o nome do pai, e então surgiu a
“Tibúrcio produções”. Foi ai então que conseguiram notabilidade. “meu nome é
conhecido nos teatros de são Paulo, meus filhos viram que com o nome deles não
estava dando certo e usaram o meu, e então foram procurados e não param de
trabalhar” conta ele com um sorriso de satisfação estampado no canto da boca.
A ultima peça de que fez parte como produção e palco e cenógrafo, foi “ A
partilha” o ultimo espetáculo foi na capital do Rio grande do Norte, lugar de
origem que adotou para uma vida mais tranquila.
A rotina dos palcos começou a
pesar na vida do senhor Tiba, as longas viagens para realizar espetáculos e os
longos anos se dedicando a essa arte aos poucos foram caindo na monotonia e
após uma reflexão ele resolveu que estava na hora de dar espaço para outras
pessoas e buscar um outro rumo em sua vida, assim decidiu juntamente com sua
esposa que iriam morar em Natal, ao longo de 14 anos entre idas e vindas à
capital do Rio Grande do Norte, após uma batalha incansável conseguiu construir
sua moradia e fixar residência, mais um sonho concretizado em sua vida.
Seu Tiba comenta com convicção que amava o teatro, mas não se imaginava trabalhando
em algo tão cansativo até o último dia da sua vida. Depois de viajar o país
inteiro e ter em sua mente os mais marcantes momentos que alguém poderia ter,
ele confessa que o que queria mesmo era poder descansar e poder caminhar pela
praia no final de semana, coisa que nem São Paulo, nem a vida conturbada no
teatro poderiam proporcionar. Seu Tibúrcio acreditava que teria uma vida mais
tranquila na terra Natal da sua esposa, com quem está casado há mais de 30 anos.
Agora em uma parada de ônibus, longe dos palcos e das emoções que levava consigo na
Kombi que andou o país inteiro, Tibúrcio monta mais uma cena na história da sua
vida. Não uma cena de uma novela ou de uma peça teatral, mas a de montar sua
venda na parada de ônibus de uma universidade. Uma cena muito diferente das
inúmeras que já montou em toda sua vida, mas tão importante quanto qualquer uma
delas.
Biografia realizada para a disciplina de oficina de texto III do curso de Jornalismo.
Produzida por Paulina Oliveira, Fernanda Cristina, Gemyma Medeiros, Nayanne Rodrigues e Ana Laura.
1 comentários. Clique aqui para comentar também!
OOOOOOOOI PAULINA
ResponderExcluiré realmente inspirador conhecer esse tipo de história de vida <3 você fez um trabalho de muita sensibilidade com esse texto
beijo
beinghellz.com