Resenha: Todo dia a mesma noite - A história não contada da boate kiss

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A madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 fez com que a cidade de Santa Maria, localizada no interior do Rio Grande do Sul, não fosse mais a mesma. Nessa data, um incêndio tirou a vida de 242 pessoas em uma boate e deixou o Brasil inteiro em choque. Marcada por ser um local predominantemente universitário, a cidade gaúcha perdeu jovens repletos de sonhos que tinham uma vida inteira pela frente. Mais de mil pessoas estavam na boate kiss, num espaço que comportava no máximo 700. 

Cinco anos depois, a tragédia ainda é rememorada não só pelos familiares e amigos das vítimas, mas por toda uma nação. E é através das lembranças, das histórias de quem estava lá, dos pais que perderam seus filhos, dos socorristas, que esse cenário de extremo pesar vai sendo remontado para quem está lendo “Todo dia a mesma noite” da jornalista Daniela Arbex.

É de se esperar que um livro que aborde essa temática seja uma obra forte. Mas ler o mais novo livro de Daniela Arbex atinge em cheio as emoções do leitor. E não é apenas uma palavra que marca, mas toda uma história. Narrativas que levam a tragédia daquela noite, histórias que cerceiam a vida dos jovens que morreram, dos pais que até hoje sofrem com a perda, das pessoas que trabalhavam para tentar salvar a vida daqueles que ainda tentavam sair pelas portas da boate kiss. Pessoas em busca de ar, que tentavam se livrar da alta temperatura, jovens com uma enorme vontade de viver.


Esse é um livro que retrata a dor. Não a dor física, mas a dor emocional. A dor de perder alguém de uma maneira tão brutal que comove profundamente quem lê. Se nós, meros telespectadores que víamos as notícias jornalísticas relacionadas ao caso apenas pela televisão, imagine só a situação daqueles que acompanharam de perto toda a tragédia. É impossível não se colocar no lugar dos pais que perderam seus bens mais preciosos, seus filhos. Ou se imaginar no lugar dos socorristas que não estavam preparados para um desastre de tamanho porte. E é justamente realidade como essas que nos são apresentadas a cada página dessa obra.

"Marta Beuren também fez questão de separar as peças de roupa que Silvinho usaria naquela surpreendente noite de despedidas. Horas antes, quando a morte do filho foi confirmada pelo pai dele, o irmão médico e a nora, a professora aposentada havia pensado que enlouqueceria. Em uma explosão de sentimentos, começou a correr pelo amplo imóvel de dois andares do bairro Nossa Senhora de Lourdes, mas não encontrava saída. Tinha a sensação de que a casa a trancava e de que era pequena demais para carregar o tamanho de sua dor. Desejava fugir, afastar-se dali e de si mesma. Não suportava o que estava sentindo." Todo dia a mesma noite, página 146

Nome de todas as vítimas que morreram na tragédia da boate kiss

A edição do livro é super caprichada. Na capa é estampado o nome de todos que perderam a vida na tragédia. Imagens de como ficou o local após o incêndio e de alguns dos entrevistados que contribuíram para a escrita desta narrativa são estampadas nas páginas finais. O prefácio escrito por Marcelo Canellas corrobora ainda mais com o propósito de "todo dia a mesma noite", o de fazer da memória um instrumento de conforto e respeito à dor alheia.

Na obra, os capítulos descrevem o antes, o durante e o que aconteceu depois do incêndio. O reconhecimento das vítimas por parte dos familiares e os velórios narrados nesta grande reportagem são tão impactantes e descritos de uma maneira tão forte que “desnudam” a alma do ser humano. Daniela Arbex escancara uma realidade de fatos e sentimentos que esclarecem muitas incógnitas da tragédia. Nos são expostas sequelas que ficaram não apenas no corpo dos sobreviventes, mas principalmente na mente de todos aqueles que tiveram sua vida marcada pela fatalidade. Gente que permaneceu, mas que jamais vai esquecer a noite de 27 de janeiro que modificou milhares de vidas para sempre.

Uma obra forte, mas necessária. Recomendo muitíssimo!

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